Super Jesus!

Deus pode ser brasileiro, mas Jesus Cristo com certeza é americano: ele veio de um planeta distante, cresceu no Estado do Kansas, trabalha como jornalista no “Planeta Diário” e nas horas vagas atende pelo nome de Super-Homem. Essa ideia blasfema é defendida pelo diretor Zack Snyder no filme “O Homem de Aço”, o reboot (reinício) da saga do mais famoso super-herói dos quadrinhos, que estreia no dia 12. O viés sacrílego é enfatizado com paralelos à vida de Cristo ao longo da trama de duas horas e vinte e três minutos. Como esclarece logo no início o pai do messias, Kal-El (nome real do Super-Homem, interpretado por Henry Cavill) foi o único ser de Kripton nascido sem pecado – e, aqui, pecado não significa o amor carnal, mas a geração do bebê utilizando métodos de modificação genética. Antes de colocá-lo em uma manjedoura high tech e mandá-lo para a Terra a tempo de ser poupado da destruição de seu planeta, o patriarca vivido por Russell Crowe tenta consolar a mulher: ele será um Deus para eles.
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SEM VIOLÊNCIA
Super-Homem (Henry Cavill) é algemado:
o gesto de oferecer a outra face
Em entrevistas, Snyder tentou relativizar as referências. Disse que as alusões não foram propositais e já existiam nos quadrinhos. “Os personagens são arquétipos, literalmente bíblicos”, afirmou. O roteirista David S. Goyer fez coro ao colega e lembrou que tais ligações poderiam ser feitas também com Moisés e heróis da mitologia suméria, como Gilgamesh, ou das sagas nórdicas, a exemplo de Beowulf. Não é preciso ser carola, no entanto, para associar a infância de Clark Kent à do menino Jesus. Como o filho de Deus, Kent esconde os seus poderes “milagrosos” e, a princípio, rejeita ter sido o escolhido. Após se aconselhar com um padre (ao fundo vê-se um vitral mostrando Cristo no Jardim das Oliveiras), ele aceita o seu papel de salvador da humanidade. Detalhe: está com 33 anos, justamente como Cristo ao ser crucificado. Não bastassem esses elementos, numa cena de destaque, Kent alça um voo às alturas não com os braços apontados para a frente como é de costume na iconografia do Super-Homem, mas desenhando com eles a posição da cruz. Em outra passagem, após um fabuloso festival de explosões e efeitos especiais, o personagem desce do céu, capa ao vento, em câmara lenta. A inspiração parece ter sido a tela “Transfiguração”, do pintor renascentista Rafael, que mostra o homem santo pairando no ar.
Não imagine, contudo, que “O Homem de Aço” se resume a uma aula de catecismo em 3D. A trama central do filme trata do embate entre o Super-Homem e o vilão intergalático Zod (Michael Shannon), um general que tentou dar um golpe no planeta Kripton e foi colocado numa câmara criogênica. Após três décadas, ele se liberta do congelamento e vai atrás de Kal-El para tentar recuperar um objeto sagrado que teria todas as informações de sua cultura, o códex – assim poderia reconstituir Kripton na Terra. Conseguir isso significaria também eliminar o Super-Homem. Estudiosos dos quadrinhos afirmam que, ao ser criado em 1938, o herói tinha raízes não cristãs, mas judaicas. Seus criadores, Jerry Siegel e Joe Shuster, que eram judeus, queriam fazer um comentário ao êxodo do seu povo e à adaptação a uma nova terra. Por mais que a produção insista que não houve intenção de lhe dar caráter divino, um detalhe bastante laico prova o contrário: nas semanas antes da estréia, pastores das igrejas evangélicas dos EUA receberam materiais e assistiram às pré-estreias do blockbuster dentro de uma campanha de marketing da Warner Bros que mirava o público cristão. A campanha foi capitaneada pela empresa de relações públicas Grace Hill Media, especializada no segmento religioso. Não deu outra.
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No seu lançamento o filme teve rendimentos superiores a US$ 115 milhões, a maior bilheteria da história no mês de junho. Publicações especializadas apontam que, para isso, pesaram bastante os sermões do Dia dos Pais (12 de junho nos EUA), que antecederam a chegada do filme aos cinemas.

Retirado da Revista Istoé (N° Edição: 2276)


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