Sugestões práticas para tempo devocional


  

Uma relação pessoal de amizade com Deus não cabe num molde a ser reproduzido, e cada indivíduo precisa encontrar o próprio ritmo, intensidade e modelo. O que oferecemos a seguir, portanto, não é uma fórmula ou receita universal, mas uma série de sugestões e indicações sobre os aspectos práticos do tempo devocional do cristão.

 Abandono e silêncio interior

 Quem entra na intimidade com o Senhor começa a perceber que várias interferências – agora não externas,mas internas – passam a surgir. Embora já tenha conseguido “entrar e fechar a porta” fisicamente, falta o mais difícil: entrar no “aposento” interior e fechar as portas para a turbulência dos pensamentos, das lembranças, distrações e inquietudes.

 Por isso, é necessário que se dedique um tempo para esse abandono e entrega. É preciso que se apaguem as chamas, silenciem-se as guerras, curem-se as feridas, perdoem-se as ofensas das pessoas, peça-se perdão, aceite-se a si mesmo e aos outros, assumam-se histórias. É preciso abandonar-se nas mãos do Pai e aceitar toda a sua realidade para que se rompam as águas agitadas e turbulentas da superfície e se alcancem águas mais profundas e calmas.

 Muitas práticas podem ajudar-nos: colocar uma música ou mesmo cantar alguma. Ler um salmo, ler em voz alta poesias ou crônicas que falam sobre abandono e entrega, fazer orações espontâneas, procurar uma posição confortável, relaxar a musculatura, controlar a respiração, ou seja, tudo o que nos leve a acalmar o interior. Nesse caminhar, muitas vezes precisamos de muletas para ajudar-nos a vencer as dificuldades, e devemos lançar mão delas enquanto estivermos inseguros. À medida que crescermos na intimidade com Deus, perceberemos que não precisamos mais delas e já andamos, e até corremos, sem impedimentos.

 Leitura espiritual ou leitura orante

 Há um testemunho unânime de cristãos de todos os tempos de que a oração pessoal deve ser sustentada pela leitura freqüente das Escrituras. Faz parte de uma prática utilizada pelos pais da Igreja que foi denominada de Lectio Divina, uma subida ao encontro do Pai cujos primeiros degraus são a leitura (lectio), a meditação (meditatio) e a oração (oratio).

 A meditação enriquece a alma e é preciosa em preparar a mente para a revelação do Espírito. Como as faculdades humanas podem sofrer interferências e distrações, a leitura torna-se imprescindível para muitos de nós. A própria Teresa de Ávila, conhecida pela vida contemplativa e seus muitos ensinamentos sobre ela, dizia: “Durante 14 anos, não consegui meditar a não ser por meio da leitura”. 

 Não se trata da leitura sistemática ou do estudo bíblico visando ao conhecimento. Deve ser uma leitura que nos tome e conduza-nos afetivamente para os braços do Pai. Inácio de Loyola nos propõe, em seus exercícios espirituais, que, lendo e meditando, usemos a imaginação para colocar-nos na cena. Sinta-se sentado no barco quando Jesus aplaca os ventos. Presencie a multiplicação dos pães e sente-se em algum dos grupos para comer o pedaço oferecido. Assim, lentamente, vá lendo, meditando, lendo, orando, e, quando sentir a visitação do Senhor, pare. Ele pode ter uma revelação, uma inspiração, um convencimento. Talvez, direcione-o ao louvor, à intercessão ou a uma contemplação e adoração silenciosas. Simplesmente, deixe-se levar. É como iniciar uma navegação em um barco com a força de braços e remos, mas, quando o vento bater, parar de remar e deixar o barco ser levado para onde o vento soprar.

 Mas atenção! Muitos, com dificuldade para orar e meditar, poderão ocupar todo o “tempo de oração” com leitura e não terão, obviamente, feito um “tempo de oração”. Podem usar a leitura para “escapar”. Por isso, devemos dividir o tempo entre oração e leitura, um dia lendo mais, outro menos, mas atentando a isso.

 Leitura sistemática

 Ler é um hábito – um hábito que o brasileiro não cultiva. Lemos pouco em geral. Preferimos assistir a um filme a ler um livro; assistir ao noticiário a ler o jornal. A leitura toma tempo e nos faz pensar, e disso a maioria de nós não gosta. Esse mau hábito estende-se para a vida cristã: pergunte a um cristão convertido há dez anos quantas vezes ele leu a Bíblia toda, e a resposta será constrangedora. E quantos livros edificantes de testemunhos, biografias, ensino doutrinário e vida cristã ele leu? A maioria dos cristãos conhece a Bíblia de “orelhada”, de pregações aqui e ali, de leitura de pequenos e preferidos trechos das Escrituras.

 Separar um pequeno tempo diário para a leitura das Escrituras e livros afins, por menor que seja, é fundamental para o entendimento sobre os propósitos de Deus, sua história, sua vontade. Aproveitar tantos autores com conteúdos riquíssimos e que se dedicaram a estudar e escrever para nossa edificação é alimento para a fé. Muitos cristãos não sabem responder à razão da sua fé por não conhecer a Palavra de Deus. A leitura sistemática nos ajuda também no momento da leitura orante, pois teremos conhecimento prévio do contexto em que aquele trecho está contido. Isso só pode enriquecer nossa intimidade com Deus. Trata-se de uma leitura visando ao conhecimento, e, por isso, devemos programá-la e cumprir o planejamento com disciplina.

 Estudo bíblico

 O estudo difere da leitura, pois ocupa mais tempo e não precisa ser diário, mas é bom que tenha uma periodicidade. Pode e deve ser amparado por dicionários, manuais, apostilas, livros, ou seja, instrumentos didáticos que auxiliem na compreensão do que se pretende estudar. Podem-se estudar um livro da Bíblia, um tema bíblico, personagens bíblicos etc. Enquanto, na leitura sistemática, nós entendemos o todo, o estudo leva-nos a nos aprofundar nas partes. Enquanto a leitura orante nos faz saborear a Palavra, o estudo nos faz entendê-la.

 E, ao final, toda essa prática e proximidade com a Palavra nos levará a adquirir os conceitos de Deus e ter a mente transformada pelo pensamento de Deus (Rm 12.2). 

 Conclusão

 Então, o que diremos? Precisamos de tempo de oração a sós com Deus, tempo para ler a Bíblia e outros livros, tempo para estudar. Como faremos tudo isso? Como já foi citado, o ritmo, a intensidade e o tempo cada um deverá estabelecer dentro da própria realidade, mas cabe a cada um também responder se o que pretende é crescimento espiritual ou permanecer naquele estado de estagnação e insatisfação do cristão que não tem vida devocional. Mais uma vez, cabe a cada um responder.

 
por Rosane Faria. Matéria da Revista Impacto



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